Tragédia de Mariana, 10 anos: por que 600 mil pessoas ainda buscam acordo em Londres
desastre socioambiental
Cinco de novembro de 2015. Mariana, Minas Gerais. O vilarejo de Bento Rodrigues é palco do maior desastre socioambiental do Brasil.
A tragédia provocou o derramamento de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton. O mar de lama atingiu o Rio Doce, chegando ao Espírito Santo. Ao todo, 49 municípios foram impactados e 19 pessoas morreram.
Uma década depois, quem vive na região descreve que os últimos anos foram de constante busca por direitos, como ressalta a coordenadora do Movimento pelos Atingidos por Barragens, Letícia Oliveira.
“Além dos impactos ocorridos em cinco de novembro, as medidas de reparação implementadas até agora também resultaram em novas violações de direitos. A busca por justiça e a reivindicação de direitos são constantes, configurando uma luta persistente. Embora se esperasse a resolução das questões após dez anos, diversos desafios permanecem. Entre eles, a conclusão das moradias e o grave impacto na saúde e bem-estar das pessoas atingidas, gerando grande angústia quanto ao futuro."
Até hoje, ninguém foi responsabilizado criminalmente. A denúncia do Ministério Público Federal, apresentada um ano depois, citava 22 pessoas e quatro empresas, mas a Justiça Federal absolveu todos os réus.
O procurador da República Eduardo Henrique de Almeida, que assinou um recurso contra a sentença, disse à CBN que ainda acredita na condenação dos réus.
“Grandes crimes ambientais não ocorrem pela conduta de uma única pessoa, mas pela atuação de uma complexa estrutura organizacional. Durante os anos de operação, diversos problemas culminaram no rompimento. Na visão do Ministério Público Federal, todos os envolvidos devem ser responsabilizados criminalmente. Confiamos no provimento do recurso, pois a responsabilidade criminal é evidente."
Ao longo dos últimos anos, milhares de pessoas receberam indenizações individuais e auxílios financeiros pagos pela Fundação Renova, que foi extinta.
Um novo acordo foi costurado entre mineradoras e poder público em outubro de 2024. Desde então, cerca de 250 mil pessoas já receberam indenizações em torno de R$ 35 mil. Recursos também são repassados aos governos federal, de Minas e do Espírito Santo para o uso em diferentes áreas afetadas.
O comerciante Mauro Silva, 56 anos, perdeu a própria casa, a da irmã e a do pai para a lama. A família tenta recomeçar em um Novo Bento Rodrigues, mas as moradias ainda não estão concluídas.
“Para mim, minha família e outras famílias, o Novo Bento Rodrigues ainda não é uma realidade, pois a reconstrução não foi finalizada. Meu pai dizia que preferia partir sem ser indenizado a receber menos do que lhe era devido, e ele falece. Meu pai foi sepultado em Bento Rodrigues, conforme seu desejo. Assim como foi pra ele, eu acredito que esta será uma luta contínua, mesmo para as próximas gerações, pois a reparação completa, na minha visão, jamais será alcançada.”
Quem não aceitou a reparação no Brasil busca indenização no Reino Unido. A ação reúne 620 mil autores, incluindo prefeituras e entidades, cobrando aproximadamente R$ 266 bilhões. O prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), avalia que o acordo firmado no Brasil foi desproporcional para as regiões mais afetadas.
“Com o processo em Londres, a cidade pode receber até cinco vezes mais que o valor acordado no Brasil. Esses recursos permitirão reduzir a dependência da mineração, investindo em novas áreas. Prevemos, conservadoramente, um valor quatro a cinco vezes superior à oferta original. Planejamos criar um fundo de investimento que assegure a continuidade dos serviços essenciais e o financiamento de projetos prejudicados pela redução da arrecadação municipal. Além disso, o município precisa desenvolver alternativas à mineração, dada sua natureza finita.”
Pesquisas comprovam perda de biodiversidade e danos irreversíveis ao meio ambiente, como detalha a pesquisadora da UFMG Yumi Oki.
“A deposição de rejeitos alterou as propriedades físicas e químicas do solo, reduzindo a matéria orgânica e aumentando o ferro. Apesar do conhecimento acumulado, novas pesquisas revelam lacunas e desafiam concepções anteriores. Estudos adicionais são necessários para mitigar efetivamente as dificuldades e identificar soluções precisas para os desafios observados.”
Atualmente, a Samarco está autorizada a operar no local da barragem. A empresa diz que adotou novas tecnologias para atender as atuais leis ambientais. A expectativa é alcançar 100% da capacidade produtiva até 2028.