
Os momentos marcantes do julgamento histórico de Bolsonaro no STF
Julgamento dos golpistas tem da detalhada acusação de Moraes à perplexidade do voto de Fux. Alguns episódios sintetizam as sessões
O julgamento histórico que condenou Jair Bolsonaro e outros sete ex-integrantes do seu governo por tentativa de golpe de Estado foi marcado por momentos de tensão e humor. A análise final sobre o caso durou cinco dias e não faltaram acontecimentos de destaque sobre a atuação dos advogados de defesa e dos próprios ministros que compõem a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente foi condenado a 27 anos e três meses de prisão, em regime fechado, por ter chefiado uma trama criminosa, com o objetivo de não reconhecer o resultado das eleições presidenciais de 2022, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva, e, assim, se manter no poder.
A Primeira Turma julgou o chamado "núcleo crucial" da arquitetura golpista. Segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), os envolvidos atuaram para desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques a instituições democráticas — sobretudo ao próprio STF — e articular medidas de exceção. Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente é condenado à cadeia por crimes contra o Estado de Direito.
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O placar foi de quatro votos pela condenação e um contra. Os ministros Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin seguiram o entendimento do relator, Alexandre de Moraes, que pediu a condenação dos oito réus. Luiz Fux foi voto vencido e, exceto por um único crime atribuído ao tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro) e ao general da reserva Walter Braga Netto (ex-vice na chapa que tentou a reeleição presidencial), absolveu todos os demais. A posição que o ministro adotou no julgamento gerou controvérsia, não apenas pelas absolvições, mas, também, por negar a existência do crime de tentativa de golpe de Estado.
A seguir, confira os momentos mais marcantes do julgamento.
1) PGR reitera acusação
No primeiro dia de julgamento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, reforçou o pedido de condenação do ex-presidente e da cúpula de seu governo, incluindo oficiais generais, por participação no plano de golpe de Estado. Conforme enfatizou, o grupo conduziu o esquema de ruptura institucional, que teve início em 2021, resultando nos ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes por uma multidão de extremistas.
2) Único réu presente
O ex-ministro da Defesa, general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, foi o único dos oito réus a comparecer ao julgamento da trama golpista. "A gente acredita na Justiça e nas provas apresentadas nas nossas alegações finais", disse, ao chegar para a sessão de terça-feira. Havia a expectativa de que Bolsonaro também estivesse presente, mas foi aconselhado por seus advogados a não ir e acompanhou de casa as leituras dos votos.
3) Defesas atacam delação
No segundo dia de julgamento, as defesas dos réus concentraram-se em rechaçar a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Em depoimentos à Polícia Federal e ao ministro Alexandre de Moraes, o ex-ajudante de ordens da Presidência confirmou que presenciou o planejamento do esquema para manter Bolsonaro no poder e citou a participação de cada um dos até então réus. Os defensores citaram contradições e mudanças nas declarações do militar nos depoimentos prestados.
4) Moraes não tem dúvidas sobre golpe
Em mais de quatro horas de voto, o relator, ministro Alexandre de Moraes, destacou a participação dos acusados da trama golpista e referiu-se a Bolsonaro, diversas vezes, como "o líder da organização criminosa". Ele enumerou 13 pontos que mostraram a ação orquestrada para o golpe.
5) Voto longo e polêmico
Em um voto polêmico, que tomou duas sessões da Primeira Turma e durou mais de 12 horas de duração, Luiz Fux divergiu de Moraes e do ministro Flávio Dino, e se manifestou pela nulidade total no processo na Corte. Votou, assim, para livrar Bolsonaro de todos os crimes apontados pela PGR. O magistrado acolheu algumas questões preliminares das defesas dos réus — como a que entendia que o STF não deveria julgar os acusados. Disse, ainda, que a investigação não tinha provas suficientes sobre o planejamento do golpe.
6) Defesas comemoram decisão
A defesa de Bolsonaro disse estar de "alma lavada" com a decisão de Fux em acatar as preliminares apresentadas pelos réus. A posição do ministro abriu brecha para os outros advogados apostarem em levar o caso às cortes internacionais de direitos humanos.
7) Demover de quê?
O advogado Andrew Fernandes, que representa o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, reiterou algumas vezes que seu cliente não tinha culpa na tentativa de golpe de Estado e que prova disso era que ele buscava demover Bolsonaro de quaisquer medidas extremas. A declaração não passou despercebida pela ministra Cármen Lúcia: "Demoveu de quê?", questionou. "De qualquer medida de exceção", respondeu o defensor.
8) Cármen Lúcia forma maioria
Com o voto da ministra, o STF formou maioria para condenar Bolsonaro e os demais integrantes da organização criminosa golpista. A argumentação dela era um das mais aguardadas. A ministra deixou claro que não concordava com a tese de Fux. "O que há de inédito nesta ação penal é que, nela, pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro na área das políticas públicas dos órgãos de Estado", frisou.
9) Fux isolado
O último dia de julgamento foi de isolamento do ministro ante os demais integrantes da Primeira Turma. Calado e cabisbaixo, teve de se submeter à própria regra que cobrou, com veemência, logo na primeira sessão, quando relembrou ao presidente do colegiado, Cristiano Zanin, que não deveria haver apartes quando da leitura das manifestações. Mas a postura do magistrado demonstrou, também, o quanto ficou apartado em função do longo, surpreendente e contraditório voto — se comparado com decisões anteriores relacionadas ao mesmo processo —, que causou mal-estar entre os próprios pares.
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10) Troca de indiretas
Cármen Lúcia e Flávio Dino protagonizaram momentos de descontração nos primeiros momentos do último dia de sessão. "Eu escrevi 396 páginas, mas eu não vou ler. Vou ler um resumo, não se preocupem", disse a ministra, ao brincar com o tempo de fala. "Aqui está o voto impresso, que, como eu disse, não lerei", continuou. "Se tem voto eletrônico, não precisa do impresso, não é, ministra?", acrescentou Dino com ironia.
11) Gilmar e Barroso aparecem na Turma
Os ministros Gilmar Mendes, decano da Corte, e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, assistiram ao último dia de julgamento no plenário da Primeira Turma. Após a proclamação do resultado, Barroso ressaltou a importância daquele momento, classificando-o como um "divisor de águas" para a história do país. Ele também elogiou o trabalho do relator, dos integrantes do colegiado e da PGR na condução do processo.