
Casos de metanol afetam cinco estados e o DF
Falsificação de bebidas
A crise sanitária pela contaminação de bebida por metanol alcançou, ontem, cinco estados — São Paulo, Pernambuco, Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul — mais o Distrito Federal. Balanço divulgado pelo Ministério da Saúde mostra que, ao todo, foram registrados 128 casos, sendo que, desses, 11 estão confirmados.
Ainda de acordo com a pasta, há somente uma confirmação de morte causada pela ingestão de bebida adulterada, na capital paulista. As demais continuam sob investigação: são oito em São Paulo, uma em Pernambuco, uma na Bahia e uma no Mato Grosso do Sul.
Por conta do avanço no registro de casos, a Polícia Federal (PF), em conjunto com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), deflagrou ontem a Operação Cessatio, uma ação de fiscalização em indústrias de bebidas nos estados de São Paulo (na região de Campinas), Santa Catarina (em Chapecó e Joinville) e Minas Gerais (em Poços de Caldas) — os dois últimos estados não têm registros de intoxicação por metanol. Na operação, equipes recolheram amostras dos produtos fabricados e armazenados para análise, a fim de verificar a presença de substâncias proibidas ou falhas na produção. Os fiscais também avaliaram a rastreabilidade dos lotes e a responsabilidade das empresas.
Rastreamento
Segundo Siddhartha Giese, analista químico do Conselho Federal da Química (CFQ), é possível realizar análises laboratoriais para identificar a origem do metanol presente em bebidas apreendidas, "mas essa determinação não é simples". Ele explica que a substância é quimicamente idêntica, independentemente da sua origem, mas traços de impurezas e assinaturas no processo de fabricação podem fornecer pistas de quem a produziu ou sua origem.
"Metanol de grau industrial costuma apresentar alta pureza, mas pode conter marcadores específicos do processo produtivo, como vestígios de catalisadores metálicos ou subprodutos da síntese a partir de gás natural. Já o metanol produzido de forma clandestina ou artesanal, geralmente por destilação de madeira ou fermentação inadequada, tende a apresentar impurezas orgânicas, como álcoois superiores, aldeídos e compostos fenólicos", explicou.
Ainda segundo Siddhartha, a toxicidade do metanol se torna um risco extremo à falsificação porque, tanto o metanol quanto o etanol, o álcool presente nas bebidas consumíveis são líquidos incolores, inflamáveis e têm odor e gosto muito semelhantes.
"O metanol teria um cheiro e gosto similar ao etanol, dissolvendo-se completamente na bebida sem alterar aparência ou textura. Não existe um volume mínimo que torne a adulteração perceptível ao paladar ou ao olfato humano. Por isso, testes caseiros são inúteis e perigosos. Apenas análises laboratoriais podem confirmar sua presença", ressaltou.
A ingestão é potencialmente mortal porque o corpo humano metaboliza o metanol no fígado por meio da enzima álcool desidrogenase. Enquanto o etanol é convertido em compostos menos perigosos, o metanol é transformado em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico, um composto altamente tóxico. O ácido fórmico se acumula, induzindo à acidose metabólica grave e causando danos em tecidos sensíveis — como o nervo óptico e o cérebro.
Siddhartha explica que a ingestão de 4ml a 10 ml de metanol puro pode provocar lesões no nervo óptico e resultar em cegueira permanente. A dose letal média para um adulto é estimada em cerca de 30 ml da substância pura, podendo levar à falência orgânica e à morte.
Ainda segundo Siddhartha, a inclusão do metanol em destilados falsificados pode ocorrer por diversas razões. Embora o metanol custe ligeiramente mais por litro do que o etanol no varejo — aproximadamente R$ 16,80 o litro contra R$ 13,28 o litro —, ele pode ser adquirido sem tributação e em grandes volumes no mercado clandestino, tornando-se uma opção lucrativamente mais viável para os falsificadores.
Além da substituição deliberada em esquemas de fraude, a presença da substância pode resultar de erros em destilações caseiras, onde frações iniciais ricas em metanol não são descartadas adequadamente.
Alvo preferencial
A preferência dos falsificadores que utilizam o metanol é pela bebida destilada, como gim, uísque, vodca, rum, cachaça ou tequila — a substância, se adicionada na dose certa, não altera o gosto, pois o paladar natural do álcool facilita a aplicação.
Como o fermentados — como vinho e cerveja —, o processo é mais complexo e praticamene inviável econômicamente, conforme assegura a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva). "Uma eventual adulteração proposital e criminosa da cerveja com o composto, além de facilmente detectável, não faz sentido do ponto de vista econômico, já que não traria qualquer vantagem comercial", observa a Abracerva.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recomendou que a população evite o consumo de bebidas alcoólicas destiladas e frisou que a adulteração de cervejas é mais difícil, diante da margem menor de lucro. Especialistas alertam, porém, que é possível falsificar bebidas fermentadas com a substância tóxica. Integrante da comissão técnica do Conselho Regional de Química de São Paulo, a química Glauce Guimarães Pereira explica que "na cerveja, a história é outra: o teor alcoólico é baixo (4%, 6%) e com maior complexidade aromática. Isso significa que qualquer desvio químico é mais fácil de notar". Para ela, é uma questão de eficiência na adulteração: "Adulterar cerveja sem ser perceptível só renderia uma quantidade muito pequena". (Com Agência Estado)
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi