
Quais efeitos os conflitos no bolsonarismo podem ter sobre as eleições de 2026
Após a condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão e sua inelegibilidade até 2030, o bolsonarismo enfrenta uma forte divisão sobre quem liderará a oposição em 2026. Enquanto o grupo radical, representado por Eduardo e Carlos Bolsonaro, defende manter o discurso duro e até a candidatura de Eduardo, setores mais moderados, como Flávio Bolsonaro, Valdemar Costa Neto e Ciro Nogueira, articulam alianças com o centrão e veem Tarcísio de Freitas como possível substituto. A falta de unidade ameaça fragilizar a oposição, podendo limitar votos e favorecer a reeleição de Lula.
O grupo político de Jair Bolsonaro (PL) vive uma fratura exposta desde a condenação do ex-presidente a 27 anos e três meses de prisão por uma tentativa de golpe de Estado.
A sentença do STF (Supremo Tribunal Federal) reduziu ainda mais as remotas chances de que Bolsonaro, declarado inelegível até 2030, recupere seus direitos políticos a tempo de disputar as eleições de 2026, e abriu de vez a concorrência para liderar a chapa de oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve ser candidato à reeleição.
Neste texto, a IstoÉ relembra os movimentos da oposição, relata a postura das principais forças do bolsonarismo neste cenário e entrevista cientistas políticos para analisar quais são os efeitos das divergências.
Rachas versus PT
Nas três eleições presidenciais que o PT venceu na condição de situação (em 2006 e 2010, com Lula na Presidência, e em 2014, com Dilma Rousseff), houve cenários amplamente noticiados de rachas na oposição, nas três ocasiões liderada pelo PSDB, que havia governado o país de 1995 a 2002, com Fernando Henrique Cardoso.
Para se opor à primeira tentativa de reeleição de Lula, em 2006, os tucanos se dividiram entre uma nova candidatura do então prefeito de São Paulo, José Serra — derrotado no segundo turno de 2002 –, e a primeira empreitada presidencial do então governador Geraldo Alckmin (hoje no PSB e vice de Lula), vitorioso na disputa interna.
Alckmin enfrentou debandadas em estados estratégicos, como Minas Gerais (onde ganhou notoriedade o chamado “voto Lulécio”, dobradinha com Lula para presidente e Aecio Neves para governador), e fez história ao, pela primeira vez, perder votos entre turnos. Com 39,17%, perdeu para o petista na votação final.
O deputado Aecio Neves (PSDB-MG): na campanha presidencial de 2014, foi derrotado no segundo turno por Dilma Rousseff (PT)
No pleito seguinte, os rachas ficaram ainda mais expostos. O mesmo Aecio Neves planejava deixar o governo mineiro para concorrer ao Palácio do Planalto, mas teve os planos frustrados por uma nova candidatura de Serra. No auge de sua popularidade, Lula indicou a ministra Dilma Rousseff para sucedê-lo. Ao contrário do que se esperava, Aecio não foi vice de Serra e, segundo reportou na época o jornal Folha de S. Paulo, 79 prefeitos de sua base estadual se declararam neutros, indecisos ou favoráveis a Dilma, vitoriosa na eleição presidencial.
Em 2014, Aecio enfim emplacou a sonhada candidatura. Mesmo com as rusgas internas, o mineiro teve o melhor desempenho da legenda nos anos de oposição (perdeu para Dilma por 51,64% a 48,36%, no segundo turno). Depois da eleição, contudo, decidiu contestar a lisura da eleição, no que é interpretado por analistas como um dos passos iniciais para a derrocada do partido, que viu Bolsonaro ser eleito em 2018 e, desde então, registrou seus piores desempenhos eleitorais.
“No ciclo pós-constituição de 1988, a tendência é de fragilização dos movimentos políticos que, ainda que tenham força eleitoral, não consigam se articular de forma estruturada“, disse à IstoÉ Daniel Pinheiro, professor do departamento de administração pública da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina).
Coalizão ou radicalização
Com Lula no poder pela terceira vez, há uma disputa de estratégias no campo mais radical da oposição. Uma delas defende que a família Bolsonaro não abra mão de encabeçar a chapa presidencial em 2026, encampa um projeto de anistia “ampla, geral e irrestrita” aos condenados por atos golpistas e endossa as sanções comerciais impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para pressionar o Judiciário brasileiro a não prender o ex-presidente.
“Mesmo no governo, a família descartava aliados que apresentassem discordâncias. Dentro desse padrão, há uma grande resistência à consolidação do apoio a um político que, se chegar ao poder, não garanta a Bolsonaro algum nível de tutela“, disse à IstoÉ Monalisa Torres, professora de teoria política da Uece (Universidade Estadual do Ceará).
O grupo é refratário a acordos com o chamado “centrão”, em um espírito que lembra a própria eleição do ex-presidente, em 2018, por um partido pequeno (o então PSL), com 8 segundos de propaganda eleitoral e recursos escassos para fazer campanha. Na prática, a premissa é não ceder no discurso radical em favor de uma coalizão mais abrangente.
Sua principal liderança é o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tem defendido sua candidatura a presidente na ausência do pai. Ao seu lado, destacam-se o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e o blogueiro Paulo Figueiredo Filho, que atua nos EUA junto do “03”.
Eduardo Bolsonaro (PL-SP): atuação do deputado nos EUA garante protagonismo no campo radical da oposição
Conforme revelou o jornal O Globo, Eduardo tem sido chamado de “maluco” por seu irmão, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em conversas com lideranças do Congresso. Na família, o senador é mais afeito ao diálogo com forças políticas que não se restringem à direita radical. Ambos negaram a alcunha.
Nessa linha, em defesa da aproximação entre o bolsonarismo e o “centrão”, estão ainda o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro. O primeiro disse que Eduardo vai “ajudar matar o pai” se insistir na candidatura presidencial; o segundo pregou união da direita e disse que o grupo será “cabo eleitoral de Lula” se não resolver suas divergências a tempo das eleições de 2026.
Ambos consideram que a atuação de Eduardo nos EUA e a intransigência na defesa de bandeiras radicais impõem um “teto” de votos para a oposição e, para atrair legendas que ocupam ministérios no governo federal, como PSD e MDB, se movimentaram para ter o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como substituto de Bolsonaro nas urnas — movimento que ainda não teve sucesso.
Os riscos do bolsonarismo
Mesmo neste flanco, porém, a regra é evitar indisposição com o ex-presidente — sem sua força, as chances de eleger bancadas numerosas no Congresso se reduzem. “O candidato desse grupo em 2026 terá de apresentar um verniz de moderação capaz de atrair o centro e, ao mesmo tempo, um componente radicalizado, para assegurar o apoio de Bolsonaro”, afirmou Monalisa Torres.
Para Daniel Pinheiro, a manutenção da dualidade pode fazer com que os Bolsonaro estejam em lados distintos na próxima eleição. “Se a família se unir em torno de um discurso, há mais perspectiva de fortalecimento do chamado ‘bolsonarismo’; a ausência dessa articulação, como se viu em outros momentos, pode gerar fragilização”.