
O impacto do escândalo do metanol no setor de bares e na reputação de marcas
A expectativa de donos de bares e restaurante para este final de semana é grande, pois será o primeiro após a sequência de casos revelados ao longo da semana de pessoas intoxicadas com metanol – alguns que resultaram em cegueira e até a morte. Com isso, consumidores tendem a evitar o consumo de álcool, o que pode impactar diretamente os negócios de estabelecimentos com foco em alimentação e bebidas nos principais dias de movimento.
Os primeiros relatos surgiram de vítimas da região metropolitana de São Paulo, mas logo surgiram novos casos em outras partes de país, como Pernambuco e Bahia. Até a sexta-feira, 3, o Ministério da Saúde registrava 113 notificações de intoxicação por metanol em seis estados, incluindo suspeitas, confirmações e mortes. O estado de São Paulo concentra a grande maioria, com 101 deles.
Entre casos reais e boatos, consumidores ficam receosos em consumir drinks e bebidas, principalmente as que envolvem destilados como whisky, gin e vodka. O medo e as desconfianças se justificam não só pelo assunto em alta na imprensa e redes sociais. Mas também porque, segundo a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), A parcela de destilados ilegais vendidos no país corresponde a 28% do mercado total, com impacto de R$ 28 bilhões referentes a impostos não pagos.
Já a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhorep) calcula que chega a 36% o percentual de bebidas fraudadas, falsificadas ou contrabandeadas comercializadas no Brasil. “O medo do setor é que isso prejudique quem trabalha corretamente. Não pode haver uma caça às bruxas, tendo em vista que 99,9% dos estabelecimentos trabalham regularmente”, disse Enio Miranda, diretor de planejamento estratégico e governança da Fhoresp, à IstoÉ.
Dados da Euromonitor apontam que no Brasil, o mercado de destilados somou aproximadamente 150 milhões de litros em 2024, sendo:
- Whisky – 69,184 milhões
- Gin- 16 milhões
- Vodka – 60,931 milhões
Não há informações oficiais sobre a contaminação estar concentrada em marcas específicas de qualquer tipo de bebida, mas nas redes sociais, usuários levantam suposições apontando para as mais caras, uma vez que faria mais sentido do ponto de vista financeiro uma adulteração em produtos de maior valor agregado.
Na terça-feira (30), de olho no medo dos consumidores e o impacto dele nos negócios, bares e restaurantes de São Paulo começaram a comunicar em suas redes sociais, ou até mesmo com avisos nos estabelecimentos, sobre a procedência segura de seus produtos. Chamado de movimento ‘Fique Tranquilo’, as postagens garantiam que as bebidas utilizadas são de origem conhecida, com alguns deles até mesmo citando o nome dos distribuidores fornecedores, e asseguravam a qualidade dos produtos.
Segundo a Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo), o movimento foi espontâneo e partiu dos próprios proprietários.
Mas na quarta-feira (1º) a Abrasel, a ABBD e a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), com apoio da Diageo, multinacional britânica e maior fabricante de bebidas alcoólicas premium do mundo, promoveram um treinamento online e gratuitos com orientações práticas para empreendedores identificar versões falsificadas de produtos autênticos. Segundo os organizares, no primeiro dia, foram dois mil participantes. Durante o treinamento, os participantes receberam orientações detalhadas sobre como identificar sinais de falsificação em garrafas, tampas, rótulos e líquidos.
Além da parte técnica, o treinamento alertou para os riscos legais e sociais do mercado ilegal. “Estabelecimentos que compram de canais informais ou deixam de exercer cautela na aquisição de bebidas podem ser responsabilizados criminalmente”, reforçaram.
+ Veja como identificar uma marca autêntica
O efeito do movimento poderá ser conferido neste fim de semana. A gerente de um bar em Pinheiros relatou à reportagem de IstoÉ Dinheiro que o movimento ao longo da semana já foi mais baixo que a média, com um aniversário para 20 pessoas previamente marcado foi o que mais movimentou os últimos dias. Nessa sexta, disse, o movimento estava cerca de 70% menor, tendo servido apenas um drink Aperol ao longo da noite.
Efeito dominó
Alguns estabelecimentos, ainda que tenham se posicionado garantindo a procedência de seus produtos, decidiram por suspender a vende de doses ou drinks destilados. Foi o caso do Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo (Sindi Clubes) e de bares como Julinho Clube, Infini ou Moma.
Ao longo da semana também se desenrolou uma série de ações de apreensões de garrafas de bebidas destiladas de bares, restaurantes, empórios e adegas. Também foram deflagradas operações contra locais de falsificações de bebidas, onde autoridades encontraram garrafas vazias, rótulos, tampas e outros materiais usados para adulterações e falsificações. E até mesmo alguns bares foram fechados na Grande São Paulo.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), equipes têm feito operações diárias em vários locais para fiscalizar a venda de bebidas e rastrear a origem dos produtos falsificados. Mais 2,5 mil garrafas foram apreendidas nesta semana e nove estabelecimentos foram fechados, entre eles, duas distribuidoras, informou a pasta.
Em nota, a Abrabe diz que desde o ano passado, acompanhou mais de 160 operações de combate ao mercado ilegal de bebidas. “O mercado legal sofre e é altamente impactado por um sistema que persiste há anos e afeta uma das
maiores cadeias de produção, distribuição, geração de empregos e arrecadação fiscal do país”, afirma a associação.
Uma das principais linhas de investigação da Polícia Civil de São Paulo é de que a contaminação por metanol em bebidas alcoólicas pode ter acontecido no momento da limpeza dos vasilhames com a substância. Mas também não se descarta a hipótese de ação deliberada de grupos organizados.
Falsificações
Em anuário, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), aponta que o mercado ilícito de alimentos e bebidas movimentou R$ 662 milhões no estado paulista em 2024. Segundo o documento, 75,8% desse setor envolve produtos de origem transnacional, dificultando fiscalização e controle. O mercado ilegal também gerou perdas econômicas de R$ 28,48 milhões de renda não gerada para trabalhadores e R$ 147,47 milhões em impostos estaduais. “Valores suficientes para custear 39 escolas ou 40 hospitais”, diz o documento.
Saúde pública
Com o aumento dos casos de intoxicação por metanol, o governo brasileiro iniciou uma corrida para garantir o acesso ao fomepizol, medicamento utilizado como antídoto nesses envenenamentos. O remédio não está disponível no mercado nacional, então a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) acionou autoridades internacionais para viabilizar a importação ao Brasil.
Além disso, a Anvisa publicou um Edital de Chamamento com o objetivo de identificar as fabricantes e distribuidoras internacionais que tenham disponibilidade imediata de fornecer o medicamento ao Ministério da Saúde.