
Metanol x Álcool: drogas que destroem a saúde, cada uma a seu tempo
Os recentes casos de intoxicação por metanol expõem um risco imediato e letal, mas desviam a atenção de outro veneno amplamente aceito: o álcool etílico. Embora legalizado e culturalmente incentivado, o álcool causa milhares de mortes por ano no Brasil, gera doenças crônicas, dependência, acidentes e enorme custo social e econômico. A diferença entre os dois está apenas na velocidade da destruição: o metanol mata em horas, o álcool em anos. Por isso, o debate deve ir além das bebidas adulteradas e incluir políticas públicas firmes contra os danos do consumo de álcool.
Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado com preocupação os casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas. A substância, altamente tóxica, não tem cheiro nem sabor e pode levar à cegueira e até à morte com doses mínimas. A comoção é imediata e justificada, afinal, trata-se de uma ameaça invisível e traiçoeira. Mas, em meio ao alarde sobre o metanol, pouco se fala de outro veneno socialmente aceito e presente em larga escala na vida dos brasileiros: o álcool etílico, a base das bebidas alcoólicas comuns.
Se o metanol mata em curto prazo, o álcool destrói em médio e longo prazo, com impactos tão devastadores quanto. O álcool etílico é responsável por uma série de doenças crônicas, como cirrose hepática, pancreatite, cânceres diversos, além de contribuir para distúrbios psiquiátricos, acidentes de trânsito e violência doméstica. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o álcool está entre as principais causas evitáveis de morte no mundo, vitimando milhões todos os anos — um verdadeiro problema de saúde pública que, diferentemente do metanol, é legalizado, vendido e até incentivado em propagandas.
No curto prazo, o consumo de álcool pode gerar intoxicações graves, perda de consciência, coma alcoólico e até a morte por depressão do sistema nervoso central. No médio e longo prazo, compromete o fígado, prejudica a memória e o raciocínio, causa dependência química e corrói relações familiares e sociais. O mesmo copo que hoje traz euforia pode, no futuro, levar à ruína da saúde e da vida.
A diferença entre metanol e álcool é apenas o tempo de destruição. Um mata em dias ou horas; o outro, em meses e anos. No entanto, a cobertura e a reação social costumam ser seletivas: o metanol causa escândalo, enquanto o álcool, com sua ampla aceitação cultural, continua sendo romantizado em festas, comerciais e celebrações.
É preciso ampliar o debate. O problema não está apenas na bebida adulterada, mas também no consumo normalizado do álcool, que segue sendo uma droga potente e silenciosa. Se a sociedade se choca com a letalidade imediata do metanol, deveria também se indignar com a letalidade gradual do álcool. Ambos são venenos: um mascarado de fraude criminosa, o outro disfarçado de cultura e diversão.
A reflexão que fica é: por que reagimos ao perigo invisível do metanol, mas seguimos de olhos fechados para os estragos visíveis do álcool?
Dados sobre álcool no Brasil
Mortes por álcool:
Um estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) apontou que o consumo de álcool foi responsável por cerca de 104,8 mil mortes no Brasil em 2019. Agência Brasil
Isso equivale a uma média de 12 mortes por hora atribuíveis ao álcool. Agência Brasil
Carga econômica:
O custo total estimado para o país (diretos e indiretos) devido ao consumo de bebidas alcoólicas foi de R$ 18,8 bilhões em 2019, contabilizando gastos hospitalares, atendimentos ambulatoriais, perdas de produtividade, aposentadorias precoces, entre outros impactos. Agência Brasil
Doenças e causas de óbito:
O álcool está fortemente associado a doenças crônicas não transmissíveis ― como enfermidades cardiovasculares, alguns tipos de câncer, cirrose hepática ― além de acidentes, violência e suicídio. O Globo e Agência Brasil
Aumento de mortes por transtornos mentais relacionados ao uso de álcool: entre 2020 e 2022 foram cerca de 8,5 mil óbitos anuais por estes transtornos, 33% mais que em 2019. APM
Consumo e comportamentos de risco:
Em 2023, mais de 20% dos adultos do Brasil relataram fazer uso abusivo de álcool. Agência Brasil
Dentre adolescentes de 13 a 17 anos (dados de PeNSE 2019), 63% já haviam consumido álcool e 35% experimentaram antes dos 13 anos. Serviços e Informações do Brasil
Uso abusivo de álcool entre mulheres cresceu cerca de 4,25% ao ano entre 2010 e 2020. Agência Brasil
Comparativo global:
Mundialmente, segundo a OMS, o álcool causa cerca de 2,6 milhões de mortes anuais, cerca de 4,7% de todas as mortes no mundo. Agência Brasil
No Brasil, estima-se que cerca de 90 mil mortes por ano estejam associadas ao álcool. O Globo
Reflexão crítica
Enquanto o metanol representa um risco agudo — capaz de causar danos irreversíveis ou matar rapidamente —, o álcool é uma droga cronificável: causa estragos graduais, mas perfeitamente previsíveis e preveníveis, muitos anos de sofrimento, custos para famílias, para o sistema de saúde, para a sociedade como um todo.
A visibilidade dos casos de metanol é importante, mas não pode ofuscar o fato de que o álcool legalizado é responsável por impactos muito maiores em termos absolutos: muitas mortes, inúmeras doenças, dependência, prejuízo social e econômico.
Políticas públicas, campanhas de saúde, regulação da comercialização, taxação, restrições de publicidade e programas de prevenção são tão necessários para o álcool quanto é urgente o combate ao metanol adulterado.