
Lula e Bolsonaro fazem debate acirrado, mas com propostas
Primeiro embate do segundo turno trouxe discussão de temas como meio ambiente, pandemia, corrupção, educação e economia. Confira os principais pontos
Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estiveram frente a frente pela primeira vez no segundo turno na noite de domingo (16/10) durante debate promovido por pool formado pelo portal UOL, o grupo Bandeirantes, a Folha de S.Paulo e a TV Cultura. Com cerca de duas horas de duração e metade deste tempo destinado a embate direto, os presidenciáveis usaram o espaço para discussão de propostas e comparações entre as gestões do rival no Palácio do Planalto.
O petista concentrou os ataques ao atual presidente na gestão da pandemia, enquanto Bolsonaro fez da corrupção e pautas de religião e costumes como tema das perguntas ao adversário. Em encontro mais propositivo e menos agressivo do que nos debates do primeiro turno, os adversários travaram algumas ofensas pessoais relacionadas sobre mentiras e fake news.
Lula e Bolsonaro chegam ao segundo turno após eleição marcada pela polarização já na primeira etapa, com o petista somando 48,43% dos votos válidos (57,2 milhões) e o presidente 43,20% (51 milhões). Com as pesquisas apontando para nova decisão apertada nas urnas no dia 30, mais quatro debates estão previstos até o segundo turno, porém ainda não há a confirmação da participação dos candidatos.
PRIMEIRO BLOCO
O debate começou com os candidatos respondendo a uma pergunta feita pelo jornalista Eduardo Oinegue, que os questionou sobre o papel do presidente no direcionamento do orçamento do país. Nas respostas, eles abriram a série de críticas ao adversário. Bolsonaro afirmou que a bancada do PT na Câmara dos Deputados votou contra o auxílio emergencial. Lula desmentiu dizendo que o partido propôs a criação do programa antes do governo federal.
Na sequência, os candidatos tiveram 15 minutos cada para um embate direto com tema livre. Lula começou perguntando e questionou Bolsonaro sobre quantas universidades e escolas técnicas foram inauguradas na atual gestão. O presidente tergiversou e não respondeu, afirmando que não faria sentido abrir instituições porque elas ficariam fechadas devido à pandemia. Três minutos após o início da rodada livre de perguntas entre os participantes, Lula abordou pela primeira vez o tema da pandemia, que tomou a maior parte do bloco.
O petista criticou a gestão de Bolsonaro no enfrentamento à COVID-19 e focou as perguntas em episódios em que o presidente imitou pessoas morrendo com falta de ar e falas que colocaram em xeque a eficácia das vacinas.
“Eu não faço acusações mentirosas. São dados científicos. O senhor atrasou a vacina, depois tendo um processo inclusive de corrupção definido e denunciado pela CPI. E o fato concreto é que a sua negligência fez com que 680 mil pessoas morressem quando mais da metade poderia ter sido salva. A verdade é que o senhor não cuidou, debochou, riu, dizia que quem tomava vacina virava jacaré, virava homossexual, que não podia tomar vacina. O senhor gozou das pessoas, imitou as pessoas morrendo afogada por falta de oxigênio em Manaus”, disse Lula.
Bolsonaro se defendeu ao mencionar a compra de 500 milhões de doses de vacinas e afirmou que os momentos em que imitou pessoas com falta de ar foram adulterados. “O ‘riu’ é mais uma mentira tua, basta ver o vídeo quando aconteceu a questão da falta de ar. Vocês são especialistas em pegar vídeos, filmes, e cortar o pedaço que interessa para vocês”.
Ambos gastaram cerca de oito minutos de seus respectivos tempos discutindo a questão sanitária. Durante o período, os ataques pessoais foram relacionados a acusações de mentira. Lula chamou Bolsonaro de ‘rei das fake news’, enquanto o presidente se defendeu questionando a veracidade das críticas do petista. “Chega de mentira, vamos passar para outro assunto aqui”, falou o chefe do Executivo ao alternar o tema para a segurança pública quando tinha pouco mais de cinco minutos restantes reservados para fala.
Bolsonaro trouxe à tona a transferência para um presídio federal de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado pelas autoridades como líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A mudança ocorreu durante o atual mandato presidencial, e o candidato à reeleição insinuou que o evento não aconteceu durante o governo de Lula por ele ter relações com o crime organizado, teoria disseminada em grupos bolsonaristas na internet.
Jair Bolsonaro também associou a recente visita de Lula ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, a uma boa relação do ex-presidente da República com traficantes. O petista se defendeu dizendo ter criado cinco prisões de segurança máxima durante seu governo (2003-2010) e contra-atacou Bolsonaro tratando sobre suas relações com a milícia carioca, apontada como responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018.
O Nordeste do Brasil, região onde Lula teve dianteira de quase 13 milhões de votos no primeiro turno, também foi tema do primeiro bloco. Os candidatos debateram a autoria das obras de transposição do Rio São Francisco, iniciadas nas gestões petistas e finalizadas sob Bolsonaro.
“Mas dizer que foi sua? Você acha que alguém acredita? Acha que o nordestino que está vendo a gente na televisão acredita que foi você que levou água?”, questionou Lula, ao passo que Bolsonaro afirmou que as intervenções estavam paradas e foram retardadas por conta de escândalos de corrupção nos mandatos do PT em Brasília.
O embate direto no primeiro bloco teve 28 perguntas e respostas - 14 para cada participante. Os candidatos administraram os 15 minutos de forma similar, sem grandes variações entre o tempo de fala.
SEGUNDO BLOCO
No segundo bloco, os presidenciáveis responderam a perguntas de quatro jornalistas de veículos que formam o pool organizador do debate. A primeira a questionar foi Vera Magalhães, da TV Cultura. No primeiro turno, ela foi atacada por Bolsonaro, que a chamou de ‘vergonha para o jornalismo brasileiro’ ao ficar irritado com uma pergunta. Lula relembrou o fato ao começar a responder sobre seu posicionamento acerca da mudança da formação do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ô Vera, você vai ver que eu vou chegar perto da câmera que você falou, não vai ter nenhuma agressão minha a você”, disse o petista. Bolsonaro adotou tom amistoso ao iniciar a pergunta: “satisfação em revê-la”. Nenhum dos candidatos respondeu a questão de forma clara, mas ambos negaram intenção de mudanças na corte, tema que vem sendo ventilado por parlamentares apoiados pelo atual presidente.
A segunda pergunta foi sobre a gestão da Petrobras, a política de preços dos combustíveis e uma possível privatização da companhia. Bolsonaro usou seu tempo de resposta para tratar sobre as medidas tomadas em seu governo para reduzir o preço dos combustíveis via redução de impostos estaduais. Lula disse que acha uma ‘loucura’ abrir mão da petrolífera e salientou projetos para autossuficiência energética do país.
Os presidenciáveis voltaram a responder de forma furtiva quando foram questionados pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, acerca de medidas judiciais de combate à desinformação.
Lula citou 36 decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para retirada do ar de conteúdos falaciosos sobre sua campanha e disse que as outras disputas foram mais civilizadas pela ausência de conteúdos de desinformação. O petista também mencionou uma live feita por Bolsonaro na madrugada de domingo para explicar a fala sobre as meninas venezuelanas.
Por sua vez, Bolsonaro leu uma decisão do ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, impedindo que a campanha do PT use o trecho de um vídeo em que ele afirma que ‘pintou um clima’ com menores de idade refugiadas da Venezuela. O vídeo viralizou no fim de semana e foi respondido em tom de defesa pelo presidente e membros de sua campanha. Foi a primeira vez que o assunto veio à tona no debate.
A quarta e última pergunta do segundo bloco foi referente ao apoio de parlamentares ao Executivo. O jornalista do UOL, Josias de Sousa, afirmou que Lula conseguiu governabilidade comprando deputados via Petrolão, assim como Bolsonaro com o orçamento secreto.
O atual presidente se defendeu afirmando que não tem gerência sobre as emendas de relator, como fez em debates anteriores quando o tema veio à tona. Já Lula falou sobre transformar o orçamento secreto em orçamento participativo, aberto aos cidadãos, mas se absteve de entrar no tema Petrolão.
TERCEIRO BLOCO
No terceiro bloco, os candidatos voltaram a ter 15 minutos livres para embate direto. Bolsonaro começou a rodada de perguntas insistindo no Petrolão e questionou dívidas acumuladas pela Petrobras em governos petistas. Lula seguiu a estratégia de debates do primeiro turno, admitiu a ocorrência de corrupção na estatal, mas disse que o combate aos crimes políticos não pode prejudicar o funcionamento das empresas e dos empregos.
O desmatamento na Amazônia também foi debatido no embate direto. Lula disse que seu governo registrou o menor nível de desmatamento histórico na floresta e foi contestado por Bolsonaro.
“Dá um Google em casa aí: "Desmatamento 2003 a 2006", quatro anos do governo Lula. Depois dá um Google: "Desmatamento, Jair Bolsonaro, 2019 a 22", disse o presidente, que voltou a falar sobre ameaça internacional à soberania brasileira na região.
Lula citou propostas para fiscalizar o garimpo ilegal e o avanço de agricultores sobre áreas da floresta e disse que pretende criar um “Ministério dos Povos Originários”, a ser comandado por uma liderança indígena.
Também no terceiro bloco, a fala de Bolsonaro sobre as venezuelanas menores de idade voltou a ser levantada. “Você devia ter deitado com a consciência muito pesada com o que você fez. Muito pesada, porque levantar uma hora da manhã para fazer uma live: "Eu não disse aquilo, eu não fiz aquilo". Quem te conhece, sabe que você fez”, disse Lula na terceira e última vez em que o assunto foi discutido no debate. O petista participou do debate com um broche de uma flor amarela no terno, em referência ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
O embate direto no final foi mais conturbado que o primeiro, com interrupções por parte dos participantes e um momento em que Bolsonaro pôs a mão no ombro de Lula, que tentou afastar o presidente. O controle do tempo também foi diferente, com o petista gastando os 15 minutos antes do candidato do PL, que teve mais de cinco minutos livres para falar sem réplica do adversário.
Nos cinco minutos sem interrupções de Lula, Bolsonaro usou temas comuns à campanha, atacou países com governos de esquerda na América Latina (Venezuela e Nicarágua), acusou o adversário de perseguição religiosa e sugeriu que o petista deveria “ficar em casa curtindo a vida e não querendo voltar à cena do crime”.
Lula teve um pedido de direito de resposta atendido ao fim do terceiro bloco, o único da noite. Durante o debate, o petista solicitou a medida quatro vezes e Bolsonaro, duas.
Nas considerações finais, o atual presidente voltou a apostar na agenda de costumes, tratando sobre ideologia de gênero, liberação de drogas e aborto, associando os temas a Lula.
O petista foi o último a falar. Ele se defendeu das acusações de perseguição religiosa e encerrou focou em avanços sociais: “ele fica doido, porque só ele pensa que ele pode. Nós podemos e vamos querer comer um churrasquinho”, disse.