
Fraudes no INSS começaram em 2019, diz defensora pública
À comissão, coordenadora da DPU afirma que descontos atravessaram governos e atingiam especialmente idosos de baixa renda
Em depoimento na CPMI do INSS, a defensora pública Patrícia Bettin Chaves relatou que os primeiros registros de fraudes em benefícios de aposentados e pensionistas datam de 2019, com crescimento acelerado nos anos seguintes. Segundo ela, os valores variavam de R$ 30 a R$ 90 e recaíam, especialmente, sobre populações mais vulneráveis, como idosos de baixa renda, indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão Previdenciária da Defensoria Pública da União (DPU), Patrícia informou que 95% dos casos analisados apresentaram irregularidades, como autorizações falsas ou viciadas.
"O que se constatou é que os segurados não sabiam sequer quais serviços eram prestados. Muitos não reconheciam as entidades que apareciam nos extratos de desconto", disse. A defensora relatou que, até março de 2024, associações enviavam diretamente ao INSS os termos de adesão, sem filtros rigorosos, e que o instituto se limitava a cumprir a obrigação legal de processar os débitos, prevista no Artigo 115 da Lei de Benefícios.
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As informações da defensora expuseram falhas sistêmicas de fiscalização no INSS. Muitos beneficiários só descobriam os descontos após a redução no valor recebido, confundindo-os com consignados contratados. Mais de 33 associações foram citadas em reclamações nos sistemas do consumidor.gov e do Fala.BR, parte delas conveniadas ao próprio INSS.
Patrícia destacou ainda que apenas em 2024 a DPU estruturou um grupo de trabalho para tratar do tema, em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o próprio INSS.
O depoimento também trouxe à tona os avanços recentes. Em março de 2024, o INSS editou a Instrução Normativa nº 162, que proibiu descontos associativos automaticamente no momento da concessão do benefício, autorizando-os apenas mediante biometria ou reconhecimento facial.
De acordo com Patrícia, a Defensoria pressionou por mudanças, inclusive para garantir que segurados pudessem cancelar cobranças pelo telefone 135. Ela lembrou ainda que o TCU determinou a revalidação de descontos anteriores à norma, decisão confirmada em maio passado.
A sessão também foi marcada por embate político. Parlamentares da base do governo responsabilizaram gestões anteriores pelo avanço das fraudes. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que "houve explosão de entidades fantasmas e descontos sem autorização durante o governo Bolsonaro". O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, destacou que o vazamento de dados pessoais e o uso indevido da biometria foram decisivos para o esquema, lembrando que medidas de proteção chegaram a ser propostas em 2019, mas foram vetadas pelo então presidente Jair Bolsonaro. O parlamentar ressaltou que a suspensão dos descontos — determinada pela atual gestão, após a deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, em abril deste ano — poderia ter evitado parte das perdas, caso tivesse sido adotada anos antes.
A oposição, por sua vez, buscou responsabilizar a própria Defensoria. O senador Izalci Lucas (PL-DF) acusou a instituição de omissão diante de convênios irregulares com entidades como a Contag e o Sindinap, que concentraram 72% dos R$ 12,5 bilhões em descontos desde 2008. Patrícia rebateu as críticas, afirmando que a DPU questionou os acordos no Grupo de Trabalho Interinstitucional e atua em ações civis públicas. "A Defensoria apontou falhas e está habilitada nos processos. Cumprimos nosso papel institucional de defesa dos aposentados e pensionistas", sustentou.
As denúncias envolvendo populações indígenas também ganharam destaque. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) questionou como descontos e empréstimos consignados foram feitos em nomes de indígenas analfabetos e sem documentos. Patrícia confirmou que houve diversos casos e que os ressarcimentos vêm sendo feitos com base em acordo entre a DPU e o MPF.